O Espelho Perdeu Joana
Lúcio Packter
A partir de uma terça-feira, no outono de 2005, Joana acorda com a música do despertador (que ela não gostava, mas nunca trocava), foi para o banho e notou, no box envidraçado do banheiro, que não via mais a própria imagem refletir.
Durante três meses, ela tentou vários espelhos, roupas e chapéus à prova de invisibilidade, chegou a pendurar fotos suas no vidro polido e visitou duas espelharias para saber o que havia de errado com os refletidores.
Quando de fato constatou que sua imagem não retornava de superficies lisas e polidas, nem mesmo a de um lago, um copo, o chão encerado que fosse, tomou algumas medidas urgentes.
Primeiro, passou a usar os outros para luzir sua imagem. Perguntava frequentemente o que achavam de seu penteado, de sua roupa, de seu jeito para o dia. O retorno a deixava animada, ainda que às vezes certas roupas dividisem opiniões e a jogassem em confusão. Passou então, mas isso foi acontecendo bem lentamente, a perguntar também aos outros sobre os seus sentimentos, se estavam adequados. Afinal, pensou... se sabem opinar sobre a imagem e sobre como se vestir, certamente saberão sobre as emoções que levam às cores, tecidos, cortes. E foi mais ou menos assim que Joana se casou com Deodilson, por indicação. Mais tarde, também por indicação, ela teve dois filhos com ele. O primeiro filho se chamou Reflexo e o segundo filho, Amplexo (Não pelo sentido, apenas para combinar).
Joana sabia o que era certo e errado porque lia nos livros de Ética. Não compreendia exatamente o motivo de algo ser certo ou errado, mas conseguia identificar, com grande acuidade, comportamentos mediante a correção ou impostura.
Joana era feliz, claro, afinal, os outros diziam que ela era. Joana era amiga, as pessoas não diziam? E Joana se achava Joana porque todos a chamavam de Joana.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Somos o que as pessoas dizem sobre nós? Acho que sim. Na sociedade em que todo mundo é espelho do outro, somos todos imitações. Sei não, Helder, mas você traz coisas que me fazem sentir uma pontada de dor porque a verdade dói. Preciso amadurecer.
Bjs, Sr. Don Juan dos Infernos.
Bom ter um amigo - mesmo que virtual - que escreve o que gostaria de ler em cada momento.
"E eu ainda espero..."
Bem, essa frase é bem conhecida, não é? E EU ESPERO que algum dia você sinta o desejo de voltar a escrever no Soda Kaustika.
Já disse isso antes, você escreve bem pra caramba, gosto do teu estilo helderniano de escrever e por isso estou aqui pra te dar um presente, o selo Olha que Blog Maneiro". Quando você estiver afim, passa lá no Morada e pega, ok?
Um beijão grandão!
Mi
Postar um comentário